O Evangelho Segundo o Espiritismo
por ALLAN KARDEC – tradução de José Herculano Pires
LACORDAIRE
Constantina, 1863
Que a paz do
senhor esteja convosco, meus queridos amigos! Venho até vós para encorajar-vos
a seguir o bom caminho.
Aos pobres de Espíritos que
outrora viveram na Terra, Deus concede a missão de vir esclarecer-vos. Bendito
seja pela graça que nos dá, de podermos ajudar o vosso adiantamento. Que o
Espírito Santo me ilumine, me ajude a tornar compreensível a minha palavra, e
me conceda a graça de pô-la ao alcance de todos. Todos vós, encarnados, que
estais sob a pena e procurais a luz, que à vontade de Deus venha em minha
ajuda, para fazê-la brilhar aos vossos olhos!
A humildade é uma virtude bem
esquecida, entre vós. Os grandes exemplos que vos foram dados são tão poucos
seguidos. E, no entanto, sem humildade, podeis ser caridosos para o vosso
próximo? Oh!, não, porque esse sentimento nivela os homens, mostra-lhes que são
irmãos, que devem ajudar-se mutuamente, e os encaminha ao bem. Sem a humildade,
enfeitai-vos de virtudes que não possuis, como se vestísseis um hábito para
ocultar as deformidades do corpo. Lembrai-vos daquele que nos salva;
lembrai-vos da sua humildade, que o fez tão grande e o elevou acima de todos os
profetas.
O orgulho é o terrível
adversário da humildade. Se o Cristo prometeu o Reino dos Céus aos mais pobres,
foi porque os grandes da Terra imaginavam que os títulos e as riquezas eram a
recompensa de seus méritos, e que a sua essência era mais pura que a do pobre.
Acreditavam que essas coisas lhes eram devidas, e por isso, quando Deus as
retira, acusam-no de injustiça. Oh, irrisão e cegueira! Deus, acaso,
estabeleceu entre vós alguma distinção pelos corpos? O invólucro do pobre não é
o mesmo do rico? O Criador fez duas espécies de homens? Tudo quanto Deus fez é
grande e sábio. Não lhe atribuais as idéias concebidas por vossos cérebros
orgulhosos.
Oh!, rico! Enquanto dormes em
teus aposentos suntuosos, ao abrigo do frio, não sabes quantos milhares de
irmãos, iguais a ti, jazem na miséria? O desgraçado faminto não é teu igual?
Bem sei que o teu orgulho se revolta com estas palavras. Concordarás em lhe dar
uma esmola; nunca, porém, em lhe apertar fraternalmente a mão. Que! exclamarás:
Eu, nascido de sangue nobre, um dos grandes da Terra, ser igual a esse
miserável estropiado? Vã utopia de pretensos filósofos! Se fôssemos iguais,
porque Deus o teria colocado tão baixo e a mim tão alto? É verdade que vossas
roupas não são nada iguais, mas, se vos despirdes a ambos, qual a diferença que
então haverá entre vós? A nobreza do sangue, dirás. Mas a química não encontrou
diferenças entre o sangue do nobre e do plebeu, entre o do senhor e o do
escravo. Quem te diz que também não foste miserável como ele? Que não pediste
esmolas? Que não a pedirás um dia a esse mesmo que hoje desprezas? As riquezas
são por acaso eternas? Não acabam com o corpo, invólucro perecível do Espírito?
Oh, debruça-te humildemente sobre ti mesmo! Lança enfim os olhos sobre a
realidade das coisas desse mundo, sobre o que constitui a grandeza e a
humilhação no outro; pensa que a morte não te poupará mais do que aos outros;
que os teus títulos não te preservarão dela; que te pode ferir amanhã, hoje,
dentro de uma hora; e se ainda te sepultas no teu orgulho, oh! Então, eu te
lamento, porque serás digno de piedade!
Orgulhosos! Que fostes, antes
de serdes nobres e poderosos? Talvez mais humildes que o último de vossos
servos. Curvai, portanto, vossas frontes altivas, que Deus as pode rebaixar, no
momento mesmo em que as elevais mais alto. Todos os homens são iguais na
balança divina; somente as virtudes os distinguem aos olhos de Deus. Todos os
Espíritos são da mesma essência, e todos os corpos foram feitos da mesma massa.
Vossos títulos e vossos nomes em nada a modificam; ficam no túmulo; não são
eles que dão a felicidade prometida aos eleitos; a caridade e a humildade são
os seus títulos de nobreza.
Pobre criatura! És mãe, e teus
filhos sofrem. Estão com frio. Têm fome. Vais, curvada ao peso da tua cruz,
humilhar-te para conseguir um pedaço de pão. Oh, eu me inclino diante de ti!
Como és nobre, santa e grande aos meus olhos! Espera e ora: a felicidade ainda
não é deste mundo. Aos pobres oprimidos, que nele confiam, Deus concede o Reino
dos Céus.
E tu, que és moça, pobre filha
devotada ao trabalho, entregue às privações, por que esses tristes pensamentos?
Por que chorar? Que teus olhos se voltem, piedosos e serenos, para Deus: às
aves do céu ele dá o alimento. Confia nele, que não te abandonará. O ruído das
festas, dos prazeres mundanos, te faz bater o coração. Querias também enfeitar
de flores a fronte e misturar-te aos felizes da Terra, dizes que poderias, como
as mulheres que vês passar, estouvadas e alegres, ser rica também. Oh, cala-te,
filha! Se soubesses quantas lágrimas e dores sem conta se ocultam sob esses
vestidos bordados, quantos suspiros se asfixiam sob o ruído dessa orquestra
feliz, preferirias teu humilde retiro e tua pobreza. Conserva-te pura aos olhos
de Deus, se não queres que o teu anjo da guarda volte para Ele, escondendo o
rosto sob as asas brancas, e te deixe com os teus remorsos, sem guia, sem
apoio, neste mundo em que estarias perdida, esperando a punição no outro. E
todos vós que sofreis as injustiças dos homens, sede indulgentes para as faltas
dos vossos irmãos, lembrando que vós mesmos não estais sem manchas: isso é
caridade, mas é também humildade. Se suportais calúnias, curvai a fronte diante
da prova. Que vos importam as calúnias do mundo? Se vossa conduta é pura, Deus
não pode vos recompensar? Suportar corajosamente as humilhações dos homens, é
ser humilde e reconhecer que só Deus é grande e todo-poderoso.
Oh!, meu Deus, será preciso
que o Cristo volte novamente a Terra, para ensinar aos homens as tuas leis, que
eles esquecem? Deverá ele ainda expulsar os vendilhões do templo, que maculam
tua casa, esse recinto de orações? E, quem sabe?, oh, homens, se Deus vos
concedesse essa graça, se não o renegaríeis de novo, como outrora? Se não o
acusaríeis de blasfemo, por vir abater o orgulho dos fariseus modernos? Talvez,
mesmo, se não o faríeis seguir de novo o caminho do Gólgota?
Quando Moisés subiu ao Monte
Sinai, para receber os mandamentos da Lei de Deus, o povo de Israel, entregue a
si mesmo, abandonou o verdadeiro Deus. Homens e mulheres entregaram seu ouro,
para a fabricação de um ídolo que abandonaram. Homens civilizados fazeis,
entretanto, como eles. O Cristo vos deixou a sua doutrina, vos deu o exemplo de
todas as virtudes, mas abandonastes exemplos e preceitos. Cada um de vós,
carregando as suas paixões, fabricou um deus de acordo com a sua vontade: para
uns terrível e sanguinário; para outros, indiferente aos interesses do mundo. O
deus que fizestes é ainda o bezerro de ouro, que cada qual apropria aos seus
gostos e às suas idéias.
Despertai, meus irmãos, meus
amigos! Que a voz dos Espíritos vos toque o coração. Sede generosos e
caridosos, sem ostentação. Quer dizer: fazei o bem com humildade. Que cada um
vá demolindo aos poucos os altares elevados ao orgulho. Numa palavra: sede
verdadeiros cristãos, e atingireis o reino da verdade. Não duvideis mais da
bondade de Deus, agora que Ele vos envia tantas provas. Viemos preparar o
caminho para o cumprimento das profecias. Quando o Senhor vos der uma
manifestação mais esplendente da sua clemência, que o enviado celeste vos
encontre reunidos numa grande família; que os vossos corações, brandos e
humildes, sejam dignos de receber a palavra divina que Ele vos trará; que o
eleito não encontre em seu caminho senão as palmas dispostas pelo vosso retorno
ao bem, à caridade, à fraternidade; e então o vosso mundo se tornará um paraíso
terreno. Mas se permanecerdes insensíveis à voz dos Espíritos, enviados para
purificar e renovar as vossas sociedades civilizadas, ricas em conhecimentos e
não obstante tão pobre de bons sentimentos, ah! nada mais nos restarás do que
chorar e gemer pela vossa sorte. Mas, não, assim não acontecerá. Voltai-vos
para Deus, vosso pai, e então nós todos, que trabalhamos para o cumprimento da
sua vontade, entoaremos o cântico de agradecimento ao Senhor, por sua
inesgotável bondade, e para o glorificar por todos os séculos. Assim seja.