A
Síndrome Do Orgulho Ferido
Originariamente, um simples e comum
substantivo masculino, com o sutil significado de ser a delicadeza no trato,
cuidado extremo em não magoar ou ofender por palavras ou obras.
É o que dizem os dicionários...
Mas, curiosamente, no dia-a-dia de relação entre as
pessoas, há mais significados, dependendo da ótica de quem o analisa. Se a
visão é de quem provocou o melindre em alguém, fala mais alto seu sentido
menor: suscetibilidade exagerada, escrúpulo, com profunda significação como
agente das crises da sociedade humana. Se a visão é de quem se melindrou, o
"paciente" liga tal sentimento a uma "justa" indignação, à
injustiça e à ingratidão alheias, com uma acentuada pitada de sentimento
melodramático de auto-piedade, de vítima.
Entretanto, sem rebuscamentos, sem volteios, sem
rodeios e sem metáforas, melindre quer dizer mesmo orgulho ferido, egoísmo
contrariado, vez que não há um autor sequer consultado e que se propõe analisar
a questão - fora os dicionários - que não afirme perentoriamente que o melindre
não seja um sentimento filho direto do orgulho, usando da síntese de um ilustre
espírito-espírita.1
Tenhamos presente que uma célula da sociedade humana
das mais representativas é a Casa Espírita, onde, lastimavelmente, também
grassam interesses pessoais, desejos de destaque, arroubos de sabedoria,
vaidades e tantos outros sentimentos iguais. Daí porque, quando menos se
espera, surge o melindre...
É o médium que não se conforma com a análise direta
feita por companheiros estudiosos, quando ele, ao receber os Espíritos, bate os
pés, as mãos, fala alto demais, repetitivamente, com linguagem às vezes
inadequada, etc. Melindra-se e não aceita as observações e conselhos,
retirando-se do trabalho ou isolando-se na crítica à Casa e seus dirigentes. É
o expositor que não cumpre os horários, nem o programa, que desvia sempre do
assunto da palestra ou da aula, descambando para análises outras, não raro
pessoais ou sem importância doutrinária, e que não aceita as recomendações da
direção de manter-se fiel ao programa ou à conduta em classe ou na tribuna,
melindrando-se com facilidade, afirmando que "nessa etapa da vida"
não está mais para ouvir críticas "especialmente de quem sabe menos e é
muito mais moço..." É o dirigente de área na Casa que se julga
auto-suficiente em tudo e não aceita conselhos e recomendações para melhoria do
setor, ameaçando retirar-se, entregar o cargo, exigindo se promova reunião de
Diretoria para ouvir suas reclamações. É o diretor que tem sua proposição
refugada e se sente desprestigiado, desaparecendo das reuniões e das
assembleias. É até mesmo o doador de donativos, cujo nome foi omisso nos
agradecimentos, magoando-se e fugindo a novas colaborações.
E assim por diante...
O que se ouve, em todos os exemplos citados, é mais ou
menos o seguinte: "Não entendo o porquê de tanta injustiça comigo, tanta
ingratidão..., logo eu, que tanto fiz, que tanto dei de mim, que tanto
ajudei...", seguido de lamentações e, não raro, até de choro, entremeado
de rasgos de vítima do mundo e de todos.
O erro está, neste caso, em o melindrado esperar (e
até exigir) gratidão de todos pelo trabalho que ele desenvolveu na Casa,
confundindo obrigações com favores. Ora, obrigações não implicam de modo algum
em gratidão, muito especialmente se levando em conta que quem as assume, o faz
livremente. Daí, quando contrariado, ferido em seu orgulho pessoal, julga-se
vítima de ingratidão, de injustiça... e ameaça retirar-se, quando não se
esquiva definitivamente.
Um lembrete rápido para reflexão: Jesus houvera curado
dez leprosos numa única tarde; mas, quantos deles se detiveram para
agradecer-lhe? Apenas um! Quando o Cristo voltou-se para seus discípulos e
perguntou-lhes onde estariam os outros nove curados, todos já tinham
desaparecido, sem sequer um agradecimento. E daí: Jesus se melindrou, desistiu
da tarefa, julgou-os ingratos?2 Para pensar!
Há mais uma agravante no fato que envolve o
trabalhador descuidado: o melindre "propele a criatura a situar-se acima
do bem de todos. É a vaidade que se contrapõe ao interesse geral. Assim, quando
o espírita se melindra, julga-se mais importante que o Espiritismo e
pretende-se melhor que a própria tarefa libertadora em que se consola e
esclarece." (...) "Ninguém vai a um templo doutrinário para dar,
primeiramente. Todos nós aí comparecemos para receber, antes de mais nada,
sejam quais forem as circunstâncias."3
Assiste razão integral ao preclaro Irmão X4, a afirmar
que "os melindres pessoais são parasitos destruidores das melhores
organizações do espírito.
Quando o disse-me-disse invade uma instituição, o
demônio da intriga se incumbe de toldar a água viva do entendimento e da
harmonia, aniquilando todas as sementes divinas do trabalho digno e do
aperfeiçoamento espiritual."
Ouçamos, afinal, todos nós, trabalhadores da seara
espírita, mas altamente judiciosos e adequadíssimos - conselhos de André Luiz,
na cartilha de boa condução moral chamada Sinal Verde5, assim vazados:
"Não permita que suscetibilidades lhe conturbem o
coração.
Dê aos outros a liberdade de pensar, tanto quanto você
é livre para pensar como deseja.
Cada pessoa vê os problemas da vida em ângulo
diferente.
Muita vez, uma opinião diversa da sua pode ser de
grande auxílio em sua experiência ou negócio, se você se dispuser a estudá-la.
Melindres arrasam as melhores plantações de amizades.
Quem reclama, agrava as dificuldades.
Não cultive ressentimentos. Melindrar-se, é um modo de
perder as melhores situações.
Não se aborreça, coopere.
Quem vive de se ferir, acaba na condição de espinheiro".
Contra os vermes corrosivos do egoísmo, da vaidade e
do orgulho (ferido ou não!), recomenda-se o uso do anti-séptico da Boa Nova,
distribuído altruisticamente por Jesus, quando nos exorta: “Se alguém quiser
alcançar comigo a luz divina da ressurreição, negue a si mesmo, tome a cruz dos
próprios deveres, cada dia, e siga os meus passos.”6
BIBLIOGRAFIA
1 - Cairbar Schutel, in O Espírito de Verdade, cap.
36, psic. F. C. Xavier.
2 – Lucas, 17:12-19.
3 – Cairbar, idem.
4 – Cartas e Crônicas, cap. 29, psic. F. C. Xavier.
5 – Sinal Verde, André Luiz, cap. 23- Melindres, psic.
F. C. Xavier.
6 – Mateus, 16:24; Marcos, 8:34; Lucas, 9:23.
Fonte: Revista Internacional de
Espiritismo, de Jun 2006
Sem comentários:
Enviar um comentário