O que somos?
De onde viemos?
Para onde vamos?
Àqueles que sofrem
É a vocês, ó meus irmãos e irmãs em
humanidade, a todos vocês a quem o fardo da vida tem curvado, a vocês a quem as
ásperas lutas, os cuidados, as provas têm sobrecarregado, que dedico estas
páginas. É à intenção de vocês, aflitos, deserdados deste mundo, que escrevo.
Humilde pioneiro da verdade e do progresso, coloco nelas o fruto de minhas
vigílias, de minhas reflexões, de minhas esperanças, de tudo que me tem
consolado, sustentado na minha caminhada aqui em baixo.
Possam
vocês aí encontrar alguns ensinamentos úteis, um pouco de luz para aclarar os
seus caminhos. Possa esta obra modesta ser para seus espíritos entristecidos
aquilo que a sombra representa para o trabalhador queimado de sol, aquilo que
representa, no deserto árido, a fonte límpida e refrescante se ofertando aos
olhos do viajante sedento!
I
Dever e liberdade
Quem
é que, nas horas de silêncio e recolhimento, nunca interrogou à natureza e ao
seu próprio coração, perguntando-lhes o segredo das coisas, o porquê da vida, a
razão de ser do universo? Onde está aquele que jamais procurou conhecer seu
destino, levantar o véu da morte, saber se Deus é uma ficção ou uma realidade?
Não seria um ser humano, por mais descuidado que fosse, se não tivesse
considerado, algumas vezes, esses tremendos problemas. A dificuldade de os
resolver, a incoerência e a multiplicidade das teorias que têm sido feitas, as
deploráveis conseqüências que decorrem da maior parte dos sistemas já
divulgados, todo esse conjunto confuso, fatigando o espírito humano, os têm
relegado à indiferença e ao ceticismo.
Portanto,
o homem tem necessidade do saber, da luz que esclareça, da esperança que
console, da certeza que o guie e sustente. Mas tem também os meios para
conhecer, a possibilidade de ver a verdade se destacar das trevas e o inundar
de sua benfazeja luz. Para isso, deve se desligar dos sistemas preconcebidos,
descer ao fundo de si mesmo, ouvir a voz interior que nos fala a todos, e que
os sofismas não podem enganar: a voz da razão, a voz da consciência.
Assim
tenho feito. Por muito tempo refleti, meditei sobre os problemas da vida e da
morte e com perseverança sondei esses profundos abismos. Dirigi à Eterna
Sabedoria um ardente apelo e Ela me respondeu, como sempre responde a todos.
Com
o espírito animado do amor ao bem, provas evidentes e fatos da observação
direta vieram confirmar as deduções do meu pensamento, oferecer às minhas convicções
uma base sólida e inabalável. Após haver duvidado, acreditei, após haver
negado, vi. E a paz, a confiança e a força moral desceram em mim. Esses são os
bens que, na sinceridade de meu coração desejoso de ser útil aos meus
semelhantes, venho oferecer àqueles que sofrem e se desesperam.
Jamais
a necessidade de luz fez-se sentir de maneira mais imperiosa. Uma imensa
transformação se opera no seio das sociedades. Após haver sido submetido,
durante uma longa seqüência de séculos, aos princípios da autoridade, o homem
aspira cada vez mais a libertar-se de todo entrave e a dirigir a si próprio. Ao
mesmo tempo em que as instituições políticas e sociais se modificam, as crenças
religiosas e a fé nos dogmas se tornam enfraquecidas. É ainda uma das
conseqüências da liberdade em sua aplicação às coisas do pensamento e da consciência.
A liberdade, em todos os domínios, tende a substituir a coação e o
autoritarismo e a guiar as nações para horizontes novos. O direito de alguns
torna-se o direito de todos; mas, para que esse direito soberano esteja
conforme com a justiça e traga seus frutos, é preciso que o conhecimento das
leis morais venha regulamentar seu exercício. Para que a liberdade seja
fecunda, para que ofereça às ações humanas uma base certa e durável, deve ser
complementada pela luz, pela sabedoria e pela verdade. A liberdade, para os
homens ignorantes e viciosos, não seria como uma arma possante nas mãos da
criança? A arma, nesse caso, freqüentemente se volta contra aquele que a porta
e o fere.
II
Os problemas da existência
O
que importa ao homem saber, acima de tudo, é: o que ele é, de onde vem, para
onde vai, qual o seu destino. As idéias que fazemos do universo e de suas leis,
da função que cada um deve exercer sobre este vasto teatro, são de uma
importância capital. Por elas dirigimos nossos atos. Consultando-as,
estabelecemos um objetivo em nossas vidas e para ele caminhamos. Nisso está a
base, o que verdadeiramente motiva toda civilização. Tão superficial é seu
ideal, quanto superficial é o homem. Para as coletividades, como para o
indivíduo, é a concepção do mundo e da vida que determina os deveres, fixa o
caminho a seguir e as resoluções a adotar.
Mas,
como dissemos, a dificuldade em resolver esses problemas, muito freqüentemente,
nos faz rejeitá-los. A opinião da grande maioria é vacilante e indecisa, seus
atos e caracteres disso sofrem a conseqüência. É o mal da época, a causa da
perturbação à qual se mantém presa. Tem-se o instinto do progresso, pode-se
caminhar mas, para chegar aonde? É nisto que não se pensa o bastante. O homem,
ignorante de seus destinos, é semelhante a um viajante que percorre
maquinalmente um caminho sem conhecer o ponto de partida nem o de chegada, sem
saber porque viaja e que, por conseguinte, está sempre disposto a parar ao
menor obstáculo, perdendo tempo e descuidando-se do objetivo a atingir.
A
insuficiência e obscuridade das doutrinas religiosas e os abusos que têm
engendrado, lançam numerosos espíritos ao materialismo. Crê-se,
voluntariamente, que tudo acaba com a morte, que o homem não tem outro destino
senão o de se esvanecer no nada.
Demonstraremos
a seguir como esta maneira de ver está em oposição flagrante à experiência e à
razão. Digamos, desde já, que está destituída de toda noção de justiça e
progresso.
Se
a vida estivesse circunscrita ao período que vai do berço à tumba, se as
perspectivas da imortalidade não viessem esclarecer sua existência, o homem não
teria outra lei senão a de seus instintos, apetites e gozos. Pouco importaria
que amasse o bem e a eqüidade. Se não faz senão aparecer e desaparecer nesse
mundo, se traz consigo o esquecimento de suas esperanças e afeições, sofreria tanto
mais quanto mais puras e mais elevadas fossem suas aspirações; amando a
justiça, soldado do direito, acreditar-se-ia condenado a quase nunca ver sua
realização; apaixonado pelo progresso, sensível aos males de seus semelhantes,
imaginaria que se extinguiria antes de ver triunfarem seus princípios.
Com
a perspectiva do nada, quanto mais tivesse praticado o devotamento e a justiça,
mais sua vida seria fértil em amarguras e decepções. O egoísmo, bem
compreendido, seria a suprema sabedoria; a existência perderia toda sua
grandeza e dignidade. As mais nobres faculdades e as mais generosas tendências
do espírito humano terminariam por se dobrar e extinguir inteiramente.
A
negação da vida futura suprime também toda sanção moral. Com ela, quer sejam
bons ou maus, criminosos ou sublimes, todos os atos levariam aos mesmos
resultados. Não haveria compensações às existências miseráveis, à obscuridade,
à opressão, à dor; não haveria consolação nas provas, esperança para os
aflitos. Nenhuma diferença se poderia esperar, no porvir, entre o egoísta, que
viveu somente para si, e freqüentemente na dependência de seus semelhantes, e o
mártir ou o apóstolo que sofreu, que sucumbiu em combate para a emancipação e o
progresso da raça humana. A mesma treva lhes serviria de mortalha.
Se
tudo terminasse com a morte o ser não teria nenhuma razão de se constranger, de
conter seus instintos e seus gostos. Fora das leis terrestres, ninguém o
poderia deter. O bem e o mal, o justo e o injusto se confundiriam igualmente e
se misturariam no nada. E o suicídio seria sempre um meio de escapar aos
rigores das leis humanas.
A
crença no nada, ao mesmo tempo em que arruína toda sanção moral, deixa sem
solução o problema da desigualdade das existências, naquilo que toca à
diversidade das faculdades, das aptidões, das situações e dos méritos. Com
efeito, por que a uns todos os dons de espírito e do coração e os favores da
fortuna, enquanto que tantos outros não têm compartilhado senão a pobreza
intelectual, os vícios e a miséria? Por que, na mesma família, parentes e
irmãos, saídos da mesma carne e do mesmo sangue, diferem essencialmente sobre
tantos pontos? Tantas questões insolúveis para os materialistas e que podem ser
respondidas tão bem pelos crentes. Essas questões, nós iremos examinar brevemente
à luz da razão.
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